Bem público invadido pode ser partilhado na separação

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais firma decisões reconhecendo o direito de posse de bens construídos em áreas públicas, viabilizando a partilha no caso de separação de casais. Isso é de suma importância para reforçar a posse como instrumento autônomo e de valor econômico.

Um casal discutia em um processo de separação sobre a partilha de um bem no município de Coronel Fabriciano/MG. O juiz indeferiu sobre o entendimento de que a ocupação era irregular, pois o imóvel era público. As construções realizadas como benfeitorias também não tinham como serem repartidas, uma vez que o artigo 1220 do Código Civil veda a indenização por benfeitorias feitas de má-fé. O imóvel tratava-se de um terreno que foi invadido e o casal construiu a moradia para sua família.

O regime adotado pelo casal era de comunhão universal de bens. O casamento ocorreu em 1972. Separam-se em 2011. Logo, os bens e direitos adquiridos devem ser partilhados. A relatora do processo Yeda Athias entedeu que nestes casos caberia à partilha da posse, pois esta teria expressão econômica:

“Assim, devem ser partilhados os direitos de posse e ações sobre imóvel, ainda que desacompanhados do título de domínio, por possuírem expressão econômica”.

No caso, de fato não haveria como obter o título de propriedade, mas não excluindo a possibilidade de concessão de Uso Especial para fins de moradia, previsto no art.1225, XI do Código Civil. Inclusive, pode ser vendido por ato inter vivos, conforme artigo 7º da Medida Provisória nº 2.220 de 4 de setembro de 2001.

O que os tribunais vêm reconhecendo é que tanto a partilha de separação quanto à de sucessão, a posse têm sido fator determinante para o reconhecimento de existência de direitos a serem partilhados. O TJMG possui como precedentes alguns julgados neste sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. HOMOLOGAÇÃO DE DIVÓRCIO CONSENSUAL. DIREITOS POSSESSÓRIOS SOBRE IMÓVEL IRREGULAR. PARTILHA. POSSIBILIDADE. CONTEÚDO ECONÔMICO MANIFESTO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. Embora ausentes os documentos que comprovem a propriedade, as cessões dos direitos possessórios inseridas sobre imóvel originado de parcelamento indevido de terras configuram direito pessoal constituído de conteúdo econômico, mesmo que o bem não se encontre em situação regular diante do ente público específico. 2. A existência de expressão econômica permite a disposição e eventual partilha dos direitos de posse incidentes sobre o bem fracionado. 3.Recurso conhecido e provido. (Acórdão n.955249, 20150310277288APC, Relator: GISLENE PINHEIRO 2ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 13/07/2016, Publicado no DJE: 21/07/2016. Pág.: 154/172).

EMENTA: INVENTÁRIO. PARTILHA DE DIREITOS POSSESSÓRIOS. VALOR ECONÔMICO. POSSIBILIDADE. Os direitos de posse e ações sobre imóvel, ainda que desacompanhados do título de domínio, por possuírem expressão econômica, podem ser partilhados em processo de inventário. (TJMG – Apelação Cível 1.0572.15.000108-7/001, Relator(a): Des.(a) Renato Dresch,4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 17/09/2015, publicação da súmula em 23/09/2015).

Um país em que a realidade aponta-se com vários imóveis irregulares espalhados no país valorizar a posse é de extrema importância. Neste aspecto, a teoria de Savigny ao separar a posse de propriedade foi um grande salto no Direito das Coisas. Apesar de não haver previsão legal, a função social da posse é o ponto central da resolução destes conflitos. Embora não identificado explicitamente no julgado, percebe-se a valorização da posse como elemento autônomo e primordial na efetivação de promoção humana, não hiper valorizando a titularidade de domínio, inclusive de imóvel público.

________________

REFERÊNCIAS

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Apelação 1.0194.12.000180-6/001. Relatora Yeda Athias. Data de julgamento 08/11/2016. Publicado em 18/11/2016. Disponível em < http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0194.12.000180-6%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar> Acesso em 17 de dezembro de 2016.

TJMG reconhece direito de partilha de imóvel irregular. Publicado em 16 de dezembro de 2016. Site TJMG. Disponível em <http://www.tjmg.jus.br/portal/imprensa/noticias/tjmg-reconhece-direito-de-partilha-de-imovel-irregular.htm#.WFaZktQrKt8> Acesso em 17 de dezembro de 2016.

___________________

SOBRE O AUTOR

Cássio Augusto Barros Brant é doutor e mestre em Direito Privado pela PUC-MG, especialista em Direito da Empresa e da Economia pela FGV, professor universitário e advogado.

__________________

COMO FAZER A CITAÇÃO DO ARTIGO:

BRANT, Cássio Augusto Barros. E a convivência compartilhada? Site Cássio Brant. Publicado em 27 de novembro de 2016. Disponível em <http://cassiobrant.com.br/e-a-convivencia-compartilhada/> Acesso em (dia) (mês) e (ano).

___________________

OUTRAS INFORMAÇÕES

Este artigo é meramente de cunho informativo

Escrito em dezembro de 2016 revisto em janeiro de 2017

Foto: freeimagens (www.freeimagens.com)