O direito do consumidor nas casas noturnas, bares e restaurantes

Há algumas situações que os consumidores se deparam constantemente em relação a bares, restaurantes, casas noturnas e shows, mas desconhecem seus direitos que estão previstos no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90). A indústria do entretenimento é um grande atrativo, principalmente, para os jovens com faixa de idade entre 18 a 30 anos. Os donos de casas noturnas tentam atrair este público, focando em programações musicais, cardápios diferenciados e preços convidativos, condizentes com o rendimento mensal de estudantes universitários e iniciantes em alguma carreira profissional.

Além da idade, um fato importante é que a grande maioria deste perfil encontra-se com o estado civil solteiro e não possui filhos, o que aponta um público que busca consumir mais produtos e serviços no setor de entretenimento, como viagens, casas noturnas e festas. Como não tem custos em geral com a manutenção de uma casa ou despesas com crianças, parte do rendimento mensal é destinada a este tipo de consumo.

Há situações de abusos ou vantagens indevidas que se sujeitam por desconhecimento da lei de proteção ao consumidor. Muitas vezes, o valor a ser questionado é inexpressivo diante da onerosidade com os possíveis custos de uma ação judicial que poderá ainda despender de tempo para o trâmite deste processo. Isso acaba também inibindo o ajuizamento de uma demanda.

Existe uma série de situações que o público frequentador de casas noturnas, bares e restaurantes se depara que incorrem em práticas contra o Código de Defesa do Consumidor. Dentre estas se destacam:

01. Cobrança da entrada com preços diferenciados para homens e mulheres

O caput do artigo 5º da Constituição Federal diz que homens e mulheres são iguais perante a lei. Só se justificaria um tratamento diferenciado em circunstâncias plausíveis. No caso de uma entrada de show ou boate, não há motivo nenhum para esta situação. O intuito é meramente técnica de venda, pois incentivando um número maior de mulheres ingressarem no recinto, os homens acabam optando por frequentar o mesmo local. Por isso, alguns cedem a entrada até meia-noite para mulheres ou fazem-na com preços inferiores em relação ao público masculino.

Isso é sinônimo de uma cultura machista e pior: a mulher é tratada como objeto de isca para atrair vendas. O artigo 36, § 2º do Código de Defesa do Consumidor diz que “é abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza”. A cobrança de valores diferentes para homens e mulheres fere os preceitos da Constituição Federal e do Código de Defesa do Consumidor.

02.Proibição de entrada no recinto por ato discriminatório

Há casos de recintos que, por razão de trajes não adequados, impedem a entrada de determinada pessoa. Neste aspecto, não existe violação ao consumidor, pois pode o estabelecimento definir o tipo de vestuário que deseja. É o caso de proibição de uso de chinelos, camisas de time de futebol, tênis esportivo, bermudas, etc.

Pode-se exigir também uma determinada vestimenta, como sucede em festas à fantasia ou aquelas de trajes exclusivamente pretos. É mais uma padronização para se adequar ao ambiente. Inclusive, na atividade profissional isso também ocorre, como os advogados que devem trajar roupas adequadas ao ambiente forense ou uma recepcionista que deve usar ternos femininos.

Tais situações são permitidas, desde que estas sejam informadas no panfleto, convite, site ou portaria da casa noturna.

No entanto, não cabem critérios subjetivos que estão sob avaliação de uma determinada pessoa, pois podem tornar-se discriminatórios. É o caso de algumas boates que selecionam pessoas que julgam ser interessantes para estar naquele evento e autorizam somente pessoas consideradas exóticas ou com uma estética mais atraente, selecionadas na porta do estabelecimento. Isso poderá acarretar em danos morais.

Quanto ao acesso de menores de 18 anos, isso poderá ser vedado, salvo se este estiver acompanhado de um dos genitores ou responsável legal e a atração, no local, for condizente com a faixa de idade. Ainda no que diz respeito à idade, veda-se, por exemplo, a prática de exigir que homens tenham idade acima de 21 anos e mulheres 18, pois é ato discriminatório em confronto com a Constituição Federal. Todavia, não há impedimento para restringir um público com idade, por exemplo, de 40 anos, desde que seja avisado previamente. É o caso de uma festa para o público que viveu a geração dos anos 80.

Outra situação é o de limite de pessoas de determinado sexo na casa ou evento ou sua vedação. Tal prática pode ocorrer desde que previamente estipulado o limite máximo de pessoas daquele gênero de sexo e que não seja com divisão discriminatória como o caso de aceitar 300 mulheres e 200 homens. Há situações que justifiquem a limitação como capacidade para o uso de banheiros, por exemplo.

03. Dever de informar o preço dos produtos e serviços e a forma de pagamento.

O preço dos produtos e serviços oferecidos deve ser de forma clara e precisa para não deixar que incorra em erro o consumidor. Desta forma, informações sobre pagamento em cartão de débito ou débito, cheques, tíquetes, entre outros, devem ser mencionados. Em hipótese nenhuma poderá constranger o consumidor, caso não seja informado destas opções corretamente.

Quanto ao valor dos produtos, devem ser também mencionados no cardápio ou em local visível para que o cliente tenha noção do preço do produto que irá consumidor. Não pode ficar sem o conhecimento prévio, tornando o pagamento objeto de surpresa por conhecer o custo apenas no momento de quitar a conta.

04. Cobrança do couvert artístico.

A cobrança de couvert artístico poderá ocorrer desde que haja esta informação antecedente. O consumidor será informado previamente de que no local haverá uma apresentação artística e que existe uma taxa de serviço sobre isso. Caso contrário, tal prática será uma venda casada, ou seja, o produto ou serviço está condicionado a outro. É o exemplo daquele cliente que saiu para um jantar e o restaurante cobrou um couvert porque durante determinado momento havia um pianista tocando no local. O intuito do cliente não era assistir uma apresentação de música e, sim, jantar.

05. Taxa de serviço ao garçom no valor de 10%.

A taxa de serviço funciona como gorjeta. É uma faculdade ao cliente que pode pagar ou não por este serviço. Não é obrigatória. Em casos de boates que o consumidor pessoalmente busca sua bebida, não pode ser exigida. Nos restaurantes self-services, o mesmo sucede porque foi o próprio cliente que se serviu. Só poderá cobrar no caso de algum pedido que foi solicitado para servir na sua mesa. Vale dizer que o preço da taxa de serviço deverá constar de forma discriminada na conta.

06. Consumação mínima.

Pelo Código de Defesa do Consumidor não se pode exigir limites quantitativos na relação de consumo. Desta forma, não se pode limitar que alguém seja obrigado a consumir um mínimo de produtos no estabelecimento comercial. Uma situação que fazem para driblar é oferecer a entrada e depois revertê-la em consumação. No entanto, esta conduta é obviamente uma simulação, prática vedada pelo Código Civil, que é usado subsidiariamente nas relações de consumo. Intitular como entrada para dar uma aparente legalidade, mas que por fim, tem o intuito de imposição de limites quantitativos mínimos é, portanto, uma prática contrária a Lei 8078/90. Obviamente, se apenas cobrar a entrada para ingresso no local, não há no que se falar em arbitrariedade.

07. Perda da cartela e pagamento de multa.

Alguns estabelecimentos utilizam a cartela para marcar o consumo do cliente. Muitos inclusive estabelecem multas para o caso de perda da comanda. O controle do consumo deve ser realizado pela própria casa noturna ou bar. A cobrança pela perda é uma prática abusiva e vedada pelo Código do Consumidor. O estabelecimento só pode cobrar por aquilo que foi consumido.

08. Pagamento por produtos mal preparados e demora na entrega.

O Código do Consumidor diz que cabe ao consumidor a substituição do produto, abatimento do seu valor ou a devolução da quantia paga no caso de defeitos. Quando o consumidor observar que o odor ou sabor não está adequado, poderá, portanto, impor a alternativa do não pagamento pelo produto, inclusive porque ainda não houve o pagamento deste. Todavia, se desejar substituir por outro, também caberá esta opção. Óbvio que tal situação deve ser comunicada a casa para efeitos de boa-fé do cliente que o produto se encontra inadequado para o consumo. Outra situação é a demora em preparar os alimentos ou bebidas que excedem em muito o tempo de expectativa do cliente. Nestes casos, pode o consumidor recusar de receber, depois da longa espera, e cancelar o pedido sem nenhum ônus.

09. Taxa de manobrista e furto do veículo ou objetos no seu interior.

Há alguns estabelecimentos que oferecem o serviço de manobrista e cobram por isso. É perfeitamente legal tal situação. No entanto, caso haja furto do automóvel ou de objetos no interior do veículo, a responsabilidade é da respectiva casa de entretenimento. Ainda que o serviço seja prestado por uma empresa terceirizada, não poderá isentar-se, visto que a oferta partiu da boate, restaurante ou bar. Portanto, há uma responsabilidade solidária de ambos. No caso de verificar que o automóvel foi estacionado em via pública, o consumidor poderá pedir a devolução da quantia paga ou exigir que o veículo seja estacionado em um local privado.

10. Pizza de meio sabor ou meia porção de petiscos com preços maiores.

No país, aculturou-se o fato de solicitar pizza de dois sabores e na hora do pagamento prevalece a de maior preço. Similar ocorre em bares que ofertam metade da porção só que no momento de pagar a conta cobram 60% ou 70% do valor do petisco. Tal prática é abusiva, pois paga-se por aquilo que não consumiu. Há um enriquecimento ilícito pelo preço abusivo cobrado.

11. Segurar a entrada após o funcionamento da casa noturna.

Algumas casas noturnas informam que abrem o estabelecimento em determinada hora, mas para criar um marketing de que o local possui muita gente frequentando, seguram os clientes na porta de entrada em uma fila por um longo tempo. Tal situação é lesiva porque devem cumprir o que foi divulgado na oferta de funcionamento naquele horário descrito. Não podem expor o consumidor injustificadamente em uma fila, sendo que tem condições de atendê-lo.

12. RG com foto antiga ou diferente pode ser impedimento para a entrada em boates.

Certos consumidores costumam manter documentos pessoais com foto antiga. Muitas vezes torna-se difícil o reconhecimento da pessoa. Nestes casos, podem ser barrados, visto que o documento de identidade não está condizente com a realidade e ao gerar dúvidas para o atendente, pressupõem que não se trata da mesma pessoa, mesmo que o documento não tenha nada informando sobre seu tempo de validade.

13. Constrangimento no pagamento da conta.

O artigo 71 do Código de Defesa do Consumidor veda na cobrança de pagamento a exposição do cliente a situação de constrangimento físico ou moral e de qualquer outra forma que o coloque a ridículo. Inclusive, trata-se de crime sujeitando-se a detenção ou multa. É o caso do cliente que perde a cartela de consumo e fica sem possibilidade de sair do recinto até o pagamento. Nestes casos, poderá o consumidor fazer um Boletim de Ocorrência e até mesmo efetuar a prisão em flagrante do funcionário que agir deste modo.

Percebem-se inúmeras práticas que o consumidor fica exposto e não tem a mínima noção de seus direitos. É importante verificar algumas condutas descritas que certos estabelecimentos comerciais praticam. O consumidor deve estar atendo e também é de suma importância efetivar as denúncias junto ao Procon. Estas são medidas importantes porque a partir de um cadastro de reclamações é possível o ajuizamento de ações por parte do ministério público em defesa dos interesses da coletividade.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto nº 7962 de 15 de março de 2013. Regulamenta a Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico. Site do Planalto. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d7962.htm> . Acesso em 28 de novembro de 2016.

LEWGOY, Júlia. Baladas podem cobrar preços diferentes para homens e mulheres? Site Exame. Publicado em 09 de novembro de 2016 <http://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/baladas-podem-cobrar-precos-diferentes-para-homens-e-mulheres/> Acesso em 04 de dezembro de 2016.

SANTOS, Bárbara Ferreira. Procon veta cobrança de pizza de 2 sabores com preço da mais cara. Site Exame. Publicado em 10 de novembro de 2016. Acesso em 10 de dezembro de 2016. Disponível <http://exame.abril.com.br/brasil/procon-veta-cobranca-de-pizza-de-2-sabores-com-preco-da-mais-cara/>

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SOBRE O AUTOR

Cássio Augusto Barros Brant é doutor e mestre em Direito Privado pela PUC-MG, especialista em Direito da Empresa e da Economia pela FGV, graduado em Direito pela PUC-MG. É advogado, professor universitário e autor de livros e artigos jurídicos.

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COMO FAZER A CITAÇÃO DO ARTIGO

BRANT, Cássio Augusto Barros. O direito do consumidor nas casas noturnas, bares e restaurantes. Site Cássio Brant. Publicado em 20 de dezembro de 2016. Disponível em <http://cassiobrant.com.br/o-direito-do-consumidor-nas-casas-noturnas-bares-e-restaurantes/> Acesso em (dia) (mês) e (ano)

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INFORMAÇÕES ADICIONAIS

Este texto é meramente de cunho informativo

Escrito e revisto em dezembro de 2016

Foto: freeimagens (www.freeimagens.com)