Citações em Jurisprudência

TJMS – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MATO GROSSO DO SUL

15 de março de 2016

1ª Câmara Cível Apelação – Nº 0809642-63.2014.8.12.0001 – Campo Grande

Relator – Exmo. Sr. Des. Divoncir Schreiner Maran

Apelante : SENAI- Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – DR/MS

Advogada : Célia Kikumi Hirokawa Higa Advogado : Mariella Mamede Duarte

Apelante : Facebook Serviços Online do Brasil Ltda.

Advogado : Celso de Faria Monteiro

Apelado : Senai – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Dr/ms Apelado : Facebook Serviços Online do Brasil Ltda.

EMENTA – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – DISPONIBILIZAÇÃO DE DADOS PESSOAIS – REDE DE INTERNET – LEI DO MARCO CIVIL DA INTERNET (N. 12.965/2014) – REQUISITOS – NÃO PREENCHIDOS – AUTORIZAÇÃO NÃO CONCEDIDA – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO DO FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA. E IMPROVIDO DA SENAI.

A sentença merece ser reformada, pois apesar da Lei n. 12.965/2014, em seu artigo 10, § 1º, autorizar a disponibilização de dados pessoais ou outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, sua apresentação somente ocorrerá se presente os requisitos do artigo 22 da referida lei.

Após analisar os autos, constato que estão ausentes todos os requisitos legais que autorizam a quebra do sigilo de dados pessoais, quais sejam:fundados indícios da ocorrência do ilícito; justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória; e período ao qual se referem os registros. Destarte, se não estão preenchidos os requisitos estampados no artigo 22, parágrafo único e incisos, resta inviabilizado o pedido da requisição dos dados pessoais

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos, por unanimidade, negar provimento ao recurso do SENAI e dar provimento ao do Facebook Serviços Online do Brasil, nos termos do voto do relator.

Campo Grande, 15 de março de 2016.

Des. Divoncir Schreiner Maran – Relator

R E L A T Ó R I O

O Sr. Des. Divoncir Schreiner Maran

Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. apela da sentença que obrigou-o a disponibilizar ao requerente Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, os nomes e as qualificações pessoais dos usuários responsáveis pela criação dos perfis referidos nos autos (“mil tretas”, “josé afunda”, “mil tretas.3745” e “segredos senai”), no prazo de 30 dias, sob pena de multa diária de R$ 500,00, limitada a 60 dias multa, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer c/c Reparação por Danos Morais.

Alega que apesar do magistrado singular ter afirmado na sentença que as contas reclamadas pelo apelado, em verdade, não possuem caráter ou conteúdos ilícitos, contrariamente, ordenou que se procedesse a quebra do sigilo do dados de usuários. Ocorre que tal determinação é careceredora dos requisitos legais necessários, segundo o artigo 22 da Lei n. 12.965/14.

Ressalta que a apresentação de dados sigilosos é medida excepcional, já que a regra vigente preza pela preservação da privacidade, intimidade e sigilo dos dados, nos moldes do disposto no artigo 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal, e ainda, prevista na Lei do Marco Civil.

Afirma que o fornecimento das qualificações pessoais mostra-se desnecessária, pois a apresentação do endereço de IP é plenamente suficiente para a identificação pretendida pelo apelado.

Por fim, requer o provimento do apelo, para que seja reformada a sentença in totum, afastando a obrigação do fornecimento de dados dos usuários responsáveis pelas contas e conteúdos combatidos na lide.

Sem contrarrazões.

Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI também apela da sentença, alegando que as publicações feita na rede social da requerida não se tratam de liberdade de expressão, uma vez que são extremamente grosseiros e ameaçadores, como no trecho “Caros amigos… Desculpe o inconveniente mas… Pareceme que o Sistema S está se definhando… Conseguiram bloquear o face de meu amigo José Afunda Senai da Silva… Isso vai se repetir sempre. Espero que entenda a minha situação. Mas se acalme… Nunca vou deixa-los de lado… Não até ter saciado minha fome por vingança desses vilipendiadores, obnoxos e iracundos cães vikings.” (f. 234)

Afirma, também, que a rede social Facebook tem responsabilidade sim acerca das informações colocadas em sua rede, a partir do momento que toma ciência do fato. Assim, “a sentença merece reforma nesta parte, pois, restou claro a desídia da apelada quando das denúncias em sua página na internet (a partir do momento que tomou ciência do fato), podendo o perfil difamatório ser visto até hoje” (f. 235).

Por fim, requer o provimento do apelo.

Resposta às fls. 242-262.

V O T O

O Sr. Des. Divoncir Schreiner Maran. (Relator)

Considerando a correlação entre as matérias argüidas em ambas apelações, os recursos serão analisados em conjunto.

O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI propôs a presente ação de obrigação de fazer com indenização por danos morais, alegando que através de perfis criados na rede social Facebook, estariam-lhe denegrindo a imagem e reputação por meio de divulgações e postagens ofensivas e difamatórias.

O juízo singular entendeu que nas postagens questionadas pelo autor, não se vislumbra possuírem conteúdos com o alegado intento de ofender, injuriar, difamar ou caluniá-lo, e sim, que as ditas publicações revelam-se como simples manifestações de pensamento, de expressão e de informação, pelo locutor. Contudo, o magistrado determinou a apresentação de dados pessoais dos responsáveis pelas publicações, porque em que se pese o direito constitucional à livre manifestação de pensamento e opinião, já delineados anteriormente, é cediço que a carta magna veda o anonimato (artigo 5º, inc. IV, da Constituição Federal).

Todavia, a sentença merece ser reformada, pois apesar da Lei n. 12.965/2014, em seu artigo 10, § 1º, autorizar a disponibilização de dados pessoais ou outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, sua apresentação somente ocorrerá se presente os requisitos do artigo 22 da referida lei.

Isso porque o próprio artigo alhures, preceitua que a disponibilização de registros será na forma do artigo 7º e Seção IV desta lei, vejamos:

“O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros mencionados no caput, de forma autônoma ou associados a dados pessoais ou a outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial, na forma do disposto na Seção IV deste Capítulo, respeitado o disposto no art. 7º.”

O artigo 7º apresenta o rol dos direitos assegurados ao usuário, especialmente nos incisos II e III, que rezam, respectivamente, “inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei” e “inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial”.

No presente caso, mostra-se pertinente a disposição na Seção IV, que trata da requisição judicial de registro, no qual determina que o pleito da parte interessada em requerer dados pessoais de identificação do usuário, deverá apresentar três requisitos legais, a saber:

“Art. 22. A parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet

Parágrafo único. Sem prejuízo dos demais requisitos legais, o requerimento deverá conter, sob pena de inadmissibilidade:

I – fundados indícios da ocorrência do ilícito;

II – justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória; e

III – período ao qual se referem os registros.”

Discorrendo sobre os requisitos para o acesso a dados, Cássio Augusto Barros Brant ensina que:

O Marco Civil da Internet visa que, qualquer pessoa interessada, poderá requerer ao juiz o acesso aos registros de logs dos provedores de acessou ou de aplicações à Internet. Caberá a Justiça o papel de verificar a pertinência do pedido e decidir fundamentando nele. O interessado deverá comprovar, além da utilidade e pertinência, que existam forte indícios da prática considerada ilícita. Poderá fazer um pedido que inclusive especifique o período de tempo que foram efetuados os logs de registros. (Marco Civil da Internet. Comentários sobre a Lei 12.965/2014. D’Plácido Editora)(g.n.)

Após analisar os autos, constato que estão ausentes todos os requisitos legais que autorizam a quebra do sigilo de dados pessoais, consoante artigo supracitado.

Quanto à alegação da parte autora de que as publicações são ofensivas, tem-se que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, elenca, dentre os direitos e as garantias fundamentais, a livre manifestação do pensamento (inciso IV) e, de outro lado, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (inciso X).

A livre manifestação do pensamento, como de correntia sabença, não é absoluta, tanto que encontra limitação no direito à intimidade, à honra e à imagem das pessoas, o que determina, em caso de ofensa ou violação a um destes direitos, a reparação do dano.

Destarte, compartilho o mesmo entendimento do próprio magistrado singular, no qual entendeu que não houve ilicitude nas declarações feitas por usuários do Facebook, fundamentando que:

“Embora sejam desagradáveis ao REQUERENTE e possam, inclusive, ter sua erronia comprovada oportuna e posteriormente, imputando-se responsabilidade não à REQUERIDA, mas ao terceiro responsável pela criação do perfil e autor das postagens, as notícias veiculadas não se travestem, de maneira direta ou indireta, no caráter ofensivo apontado na inicial, não havendo como se obstaculizar a livre publicação, posto que é livre a expressão de opiniões, mesmo quando incisivas e desagradáveis ao seu destinatário.” (f. 211)(g.n.)

De fato, vê-se que as publicações feita no site do apelante estão amparadas pela Constituição Federal, no qual protege o direito à liberdade de expressão, tal situação, por si só, afasta qualquer alegação de indícios da ocorrência do ilícito. E, portanto, não há falar em responsabilização da requerida.

Assim, não há qualquer elemento, nesse momento do processo, que leve à conclusão de que a decisão do douto condutor do processo em primeiro grau deva ser modificada.

Verifica-se também da exordial que o autor requereu genericamente a identificação do responsável por tais postagens, de modo a obstar o seu pedido, pois não justificou motivadamente a utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória e o período ao qual se referem os registros, vejamos:

“É certo que a identificação do responsável por tais postagens de cunho difamatório gera prejuízo de ordem moral de inestimável grau ao requerente, uma instituição conceituada, que há anos oferece cursos técnicos para capacitação de pessoas.

[…]

Dessa forma, a quebra de sigilo dos dados do usuário, criador do perfil falso na rede social Facebook, utilizado para difamar e denegrir a imagem do SENAI MS, é medida legal e cabível como forma de proteção ao direito a honra e a imagem.” (f. 10)

Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça orientou no REsp. 1.186.616/MG que “Os dados pessoais fornecidos ao provedor devem ser mantidos em absoluto sigilo como já ocorre nas hipóteses em que se estabelece uma relação sinalagmática via internet, na qual se fornece nome completo, números de documentos pessoais, endereço, número de cartão de crédito, entre outros sendo divulgados apenas quando se constatar a prática de algum ilícito e mediante ordem judicial.”

Destarte, se não estão preenchidos os requisitos estampados no artigo 22, parágrafo único e incisos, resta inviabilizado o pedido da requisição dos dados pessoais.

Portanto, a sentença merece reforma quanto a este ponto, pois está dissonante da Lei do Marco Civil da Internet.

Isto posto, dou provimento ao recurso ao recurso de Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., para afastar a obrigação do fornecimento de dados pela empresa apelante, julgando totalmente improcedentes os pedidos formulados na exordial, e nego provimento ao recurso de Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI. Outrossim, invertendo-se os ônus sucumbenciais, condenando o autor ao pagamento integral das custas e honorários.

D E C I S Ã O

Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:

POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DO SENAI E DERAM PROVIMENTO AO DO FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

Presidência do Exmo. Sr. Des. Sérgio Fernandes Martins

Relator, o Exmo. Sr. Des. Divoncir Schreiner Maran

Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Des. Divoncir Schreiner Maran, Desª. Tânia Garcia de Freitas Borges e Des. Sérgio Fernandes Martins.

Campo Grande, 15 de março de 2016.

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TJRS – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL

 

ALPV Nº 70059786939 (Nº CNJ: 0171256-16.2014.8.21.7000)

2014/Cível

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL. GOOGLE. ORKUT. PERFIL FALSO DE ADOLESCENTE. DENUNCIA DE GENITOR NÃO ATENDIDA, MANUTENÇÃO DE CONTEUDO INAPROPRIADO. OMISSÃO. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO.

NOTIFICAÇÃO PRÉVIA.

Comprovada a utilização de canal de denúncia por parte do genitor a fim de ser retirado do ar perfil que atrelava o nome e a imagem de sua filha, ora autora e à época adolescente, descrições e declarações de cunho pejorativo.

DEVER DE INDENIZAR.

Evidente a omissão da demandada na manutenção do conteúdo de nome e imagem de adolescente atrelado à conteúdo inapropriado, em que pese os termos de uso da rede social condicione sua utilização à pessoas de tal faixa etária à expressa autorização dos pais.

APELAÇÃO DESPROVIDA.

Apelação Cível Nona Câmara Cível
Nº 70059786939 (Nº CNJ: 0171256-16.2014.8.21.7000) Comarca de Porto Alegre
GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA APELANTE
GEOVANNA HOMEM KERKHOVEN APELADa

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento à apelação.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira e Des. Eugênio Facchini Neto.

Porto Alegre, 10 de setembro de 2014.

DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO,

Relator.

RELATÓRIO

Des. André Luiz Planella Villarinho (RELATOR)

GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA interpôs recurso de apelação contra sentença (fls. 108/109 verso) que julgou procedente a ação indenizatória ajuizada por GEOVANNA HOMEM KERKHOVEN, condenando a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigido pelo IGP-M e com juros de 1% ao mês a partir do arbitramento, assim como pelo pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de R$ 1.000,00.

Em suas razões (fls. 128/148) a recorrente refere existir a ferramenta ‘denunciar abuso’, disponível a todos os usuários, pela qual é possível a denuncia de condutas incompatíveis e a remoção do conteúdo de acordo com as políticas de remoção do site Orkut. Afirma que o sistema visa a proteção ao direito de livre manifestação e à liberdade de expressão, não tendo condições de identificar se a remoção do conteúdo indicado poderá igualmente estar violando o direito de outrem de se manifestar. Sustenta a impossibilidade técnica e fática de fiscalização prévia do conteúdo disponibilizado em seus servidores. Assevera a ausência de responsabilidade pelo conteúdo postado. Aponta ser a rede social exclusiva para maiores de idade, tendo culpa igualmente a autora e seus pais. Discorre a respeito da ausência de abalo moral, não tendo sido comprovadas alterações fáticas na vida social da apelada. Alternativamente, pugna pela redução do quantum indenizatório.

Foram apresentadas as contrarrazões às fls. 155/165.

Vieram os autos conclusos.

O Ministério Público não intervém no presente processo.

Registre-se, por fim, que foi cumprido o comando estabelecido pelos artigos 549, 551 e 552, todos do CPC.

É o relatório.

VOTOS

Des. André Luiz Planella Villarinho (RELATOR)

Cuida-se de apelação cível interposta por GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA contra sentença (fls. 108/109 verso) que julgou procedente a ação indenizatória ajuizada por GEOVANNA HOMEM KERKHOVEN, condenando a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigido pelo IGP-M e com juros de 1% ao mês a partir do arbitramento, assim como pelo pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de R$ 1.000,00.

Inconformada, a ré apela visando a descaracterização do pleito indenizatório e, alternativamente, a redução do quantum arbitrado pela sentença.

Na hipótese, a autora ingressou com a ação indenizatória contra a GOOGLE, em razão de denúncia não atendida no site de relacionamentos Orkut, que noticiava a existência de um perfil falso que estava atribuindo ao seu nome e imagem características inverídicas e, segundo assinala, injuriosas.

De fato, a autora à época da denuncia realizada pelo seu genitor possuía 16 anos (fl. 21), de modo que conforme referiu, os dizeres constantes no perfil ‘Geovanna Assumida’, com textos, fotos e comunidades a induzir o interlocutor a acreditar que a detentora da imagem do perfil – no caso a autora – detinha comportamento lésbico, porém a expondo de modo calunioso e pejorativo.

Ressalta-se, do conteúdo disponibilizado (fl. 24), a fim de elucidar a situação os seguintes trechos:

“sou lésbica e faço os homens brocharem (…) Desde que assumi esse meu desejo por mulheres, por peitos, por bundas, eu me sinto mais feliz!”

Ainda, extrai-se dos conteúdos apresentados que o perfil participava das comunidades “Sexo Oral É Tudo de Bom!” e “tudo escondido é mais gostoso” (fls. 25 e 29). Por conseguinte, na tela de fl. 31 foram utilizadas fotos da autora, com nítido intuito de denegrir sua imagem tendo a fotografia sido alterada digitalmente, e nas de fls. 32 a 34, assim como na foto principal do perfil, sendo possível a identificação da demandante.

Verifica-se que em razão da situação apresentada, o pai da autora – adolescente à época dos fatos – realizou denúncia no canal disponibilizado pela rede social, tendo recebido resposta da Central de Ajuda do Orkut em 05.05.2010 (fl. 23) no sentido de que:

“Com base na nossa verificação e considerando os termos de serviço do Orkut, concluímos que esse conteúdo não viola nenhuma política do Orkut.”

A demandada, por sua vez, trouxe aos autos informações sobre a conta reclamada, constando o e-mail cadastrado como ‘geovannaidiota@yahoo.com.br’, o nome da usuária ‘Ge Herkhoven’, constando como desabilitada – sem informação da data em que ocorreu a desabilitação da conta pelo usuário.

Ao julgar a lide, o magistrado salientou dentre seus fundamentos:

Cabe salientar, ainda, que foi comprovada pela requerente o aviso à demandada acerca do conteúdo abusivo do perfil criado, tendo sido recebido, na data de 05/05/2010, resposta do serviço de hospedagem e informações do “Orkut”, informando que não possuiria qualquer abusividade no conteúdo do perfil.

Ou seja, mesmo tendo a demandante utilizado a ferramenta disponibilizada na rede social para que seja denunciada a existência de perfis falsos, a requerida não retirou as publicações da rede, estando configurada a sua desídia e negligência.

Além disso, a responsabilidade da requerida é objetiva, porquanto, a atividade desempenhada configura-se como de risco, pela qual a ré aufere lucro, sendo desnecessária a demonstração de culpa para que esteja demonstrada a sua responsabilidade pelo evento.

Desta feita, mesmo não sendo a responsável pela criação do falso perfil, ao ter recebido a denúncia da parte autora acerca da irregularidade, quedou-se inerte e não providenciou a r sua retirada.

Ora, assim como observou a apelante em suas razões recursais, oOrkut é uma rede social vedada para menores de 13 anos, devendo haver expressa anuência dos pais após tal idade até a maioridade.

No entanto, em que pese a política da empresa, e a denúncia realizada pelo pai da autora – na época adolescente –, de conteúdo inapropriado atrelado ao nome e à imagem de sua filha através do canal de atendimento disponibilizado pela recorrente, o perfil foi mantido ativo – não se tendo notícia da época da desativação deste por parte do usuário -, de modo que a ré não eivou esforços para retirar conteúdo inapropriado atribuído à imagem da adolescente.

No caso em tela, observa-se a incidência da responsabilidade aquiliana, em que o dano é causado a pessoa estranha à relação principal, também chamada de extracontratual, sendo a autora vítima do evento danoso nos termos do art. 17 do Código de Defesa do Consumidor.

Conforme leciona Stiglitz1 na internet há um permanente estado de perigo potencial de ocasionar danos, em determinadas situações em que a capacidade de controle sobre a informação é limitada.

Assim, a responsabilidade da apelante pela manutenção do conteúdo na internet, ainda que realizada e comprovada denúncia extrajudicial pelo genitor da apelada, configura omissão – caracterizando-se assim o ato ilícito e o nexo causal.

No que diz respeito ao dano, este decorre do próprio fato, sendo in re ipsa, pois, conforme salienta BRANT os direitos da personalidade são compreendidos como sendo um conjunto de valores próprios do indivíduo2, prescindindo a verificação da culpa na lide em razão da relação estabelecida ser de consumo, logo regida pela responsabilidade civil objetiva. Portanto, cabível o dever de indenizar.

Presentes os elementos ensejadores da responsabilidade civil, considerando o poder global da demandante e o não atendimento ás regras mínimas de conduta e política de relacionamento por ela elaboradas e condicionadas à utilização do produto (rede social), nada há a reformar na sentença que condenou a demandada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 à autora, cujo valor se encontra adequado em razão das condições das partes e da extensão do dano praticado.

No mesmo sentido, esta Corte:

AÇÃO INDENIZATÓRIA. PERFIL FALSO EM REDE SOCIAL. ORKUT. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. OMISSÃO. ABALO EXTRAPATRIMONIAL. CABIMENTO. Caso em que foi criado perfil falso com imagens pessoais da autora. Denúncia extrajudicial realizada pela demandante que não restou atendida em tempo hábil pela administradora do site. Flagrante a conduta omissiva por parte do provedor de conteúdo. Nesse contexto, tem-se por configurado o dano moral, traduzido justamente na desídia da ré ao caso que, por certo, acabou por macular a honra da parte autora. QUANTUM. REDUÇÃO. Ausente sistema de tarifamento, a fixação do montante indenizatório ao dano extrapatrimonial está adstrita ao prudente arbítrio do juiz. Valor arbitrado em primeiro grau reduzido para R$ 10.000,00 (dez mil reais). JUROS DE MORA. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. EVENTO DANOSO. Juros de mora. Marco inicial: data do evento danoso. Súmula 54 do STJ. HONORÁRIOS. MANUTENÇÃO. Os honorários advocatícios devem estar adequados a remunerar condizentemente o profissional do Direito. Valor mantido. DERAM PARCIAL PROVIMENTO DOS RECURSOS. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70054725676, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 27/03/2014)

Isto posto, nego provimento à apelação.

Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (REVISORA) – De acordo com o Relator.

Des. Eugênio Facchini Neto

Acompanho integralmente o voto do Relator.

Em homenagem aos memoriais apresentados pelo apelante, consigno que não prospera a invocação do disposto no art. 19 da Lei12.965/2014 – o chamado marco civil da internet. Tal dispositivo, ao prever que a responsabilização civil do provedor de aplicações de internet somente se daria se tivesse ele sido previamente notificado judicialmente para tornar indisponível o conteúdo lesivo, somente teria aplicação aos casos ocorridos após a vigência da lei. No caso em tela, os fatos ocorreram em 2010, época em que era assente a jurisprudência no sentido de que bastava a cientificação direta do interessado para, de forma cautelar, devesse o provedor providenciar na retirada dos conteúdos ofensivos.

Além disso, referido art. 19 ainda deverá ser objeto de acurada exegese jurisprudencial, considerando a tutela forte que a constituiçãoconcede aos direitos de personalidade, como se vê do seu art. , inciso X.

DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO – Presidente – Apelação Cível nº 70059786939, Comarca de Porto Alegre:”APELAÇÃO DESPROVIDA. UNÂNIME.”

Julgador de 1º Grau: MÁRIO ROBERTO FERNANDES CORREA

1 STIGLITZ, Gabriel. Responsabilidad civil por daños derivados de la informática. In: TRIGO REPRESAS, Félix (org.). RESPONSABILIDAD CIVIL. DOCTRINAS ESENCIALES. Buenos Aires: La Ley, 2006, t. VI, p. 47-57.

2 BRANT, Cássio Augusto Barros. Os direitos da personalidade na era da informática. Revista de Direito Privado. abr. 2010. vol. 42. p. 9.

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TJRS – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL

 

ALPV Nº 70059709907 (Nº CNJ: 0163553-34.2014.8.21.7000)

2014/Cível

AGRAVO DE INSTRUMENTO. responsabilidADE CIVIL. DANOS À IMAGEM E À HONRA. GOOGLE E YOUTUBE.

Pretendendo a autora a determinação ao Google de retirar vídeo com conteúdo ofensivo a direito da personalidade da agravante hospedado no site Youtube, e fazendo prova da verossimilhança do direito invocado, estão presentes os requisitos autorizadores da concessão da tutela antecipada, nos termos do disposto no art. 273, caput, do CPC. Precedentes jurisprudenciais. STJ.

A cominação de multa por descumprimento de provimento jurisdicional é possível com base no poder geral de cautela do juiz e tem como objetivo impor, desde logo, penalidade ao infrator e uma compensação em benefício de quem foi estipulada, sem, contudo, fomentar o enriquecimento sem causa da parte beneficiada.

AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.

Agravo de Instrumento Nona Câmara Cível
Nº 70059709907 (Nº CNJ: 0163553-34.2014.8.21.7000) Comarca de Porto Alegre
LETICIA BLUME MURILO AGRAVANTE
GOOGLE BRASIL INTERNET LIMITADA AGRAVADO

DECISÃO MONOCRÁTICA

Vistos.

Trata-se de agravo de instrumento interposto por LETICIA BLUME MURILO nos autos da ação indenizatória cumulada com obrigação de fazer ajuizada em face de GOOGLE BRASIL INTERNET LIMITADA, contra decisão interlocutória (fls. 37/38) que indeferiu o pedido de antecipação de tutela – elaborado no sentido de retirar do ar o conteúdo objeto da ação, descrito na ata notarial de fl. 26 -, sob fundamento de que a ré não possui condições de retirar vídeos doyoutube, tendo em vista que se trata apenas de ferramenta de busca, não possuindo ingerência a respeito dos conteúdos contidos nos sites que indica.

Em suas razões (fls. 04/07) informa a autora que possui síndrome do pânico. Relata que em determinada ocasião, durante uma de suas crises foi filmada por terceiro desconhecido, tendo tido conhecimento do vídeo ao se deparar com o vídeo no site do Youtube, postado pelo usuário denominado ‘João Alfredo’. Assevera que o vídeo retrata um momento íntimo da autora durante um momento de crise de pânico. Salienta que já ocorreram pedidos de denúncia do vídeo à agravada e mesmo assim o vídeo continua a ser exibido. Afirma que a autora continua em tratamento médico em razão de tal fato, e que a não retirada do conteúdo prejudica seu tratamento. Requer o provimento do recurso, sendo determinado à ré a retirara do vídeo em 24 horas, a partir da notificação, sob pena de multa de R$ 500,00 por dia de descumprimento.

É o sucinto relatório.

LETICIA BLUME MURILO interpõe o presente recurso à decisão que, nos autos da ação indenizatória cumulada com obrigação de fazer ajuizada em face de GOOGLE BRASIL INTERNET LIMITADA, indeferiu pedido de tutela antecipada, consistente na determinação à agravada de retirar vídeo do Youtube, em que a autora é filmada em situação constrangedora.

O art. 273 do CPC autoriza que o Magistrado, a requerimento da parte, antecipe total ou parcialmente os efeitos da tutela buscada em Juízo, desde que, diante de “prova inequívoca”, se convença da“verossimilhança da alegação”, e, se faça presente o “ fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação” ou “fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu”.

Sobre os pressupostos da antecipação dos efeitos da tutela, leciona J.J. Calmon de Passos1:

“Reclama o caput do art. 273 do CPC que o juiz, para antecipar a tutela, disponha, nos autos, de prova inequívoca que alicerce seu convencimento sobre a verossimilhança da alegação do autor (pressuposto comum básico) e a isso se soma uma das seguintes situações: a) haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; b) fique caracterizado o abuso do direito de defesa; ou c) o manifesto propósito protelatório do réu.

“Há sempre uma exigência indispensável – a prova inequívoca da alegação do autor, apta para formar o convencimento do juiz sobre a verossimilhança do alegado, como fundamento do pedido. Denominamos esse pressuposto de comum, por não poder faltar jamais, devendo conjugar-se necessariamente com qualquer dos demais pressupostos, sempre presentes, portanto, em toda e qualquer modalidade de antecipação de tutela. Os demais podem existir isolada ou cumulativamente, somando-se ao comum e básico, pouco importa. O que jamais pode estar ausente é a prova inequívoca, casada com qualquer dos pressupostos que denominamos de particulares ou específicos.”

A Lei exige, ainda, como requisito alternativo para a concessão da tutela antecipada a existência do periculum in mora ou do abuso de direito de defesa do réu, independentemente do periculum in mora.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery2:

Requisitos para a concessão da tutela:periculum in mora. Duas situações, distintas e não cumulativas entre si, ensejam a antecipação dos efeitos da tutela de mérito. A primeira hipótese autorizadora dessa antecipação é o periculum in mora, segundo expressa disposição do CPC 273 I. essa urgência, como já afirmado acima, não tem o condão de transmudar sua natureza satisfativa-executiva em medida cautelar. Esse perigo, como requisito para a concessão da tutela antecipada, é o mesmo perigo exigido para a concessão de qualquer medida cautelar.

Na hipótese, a agravante alega que não autorizou a divulgação das imagens, de modo que a veiculação do vídeo que expõe a agravante em momento íntimo e constrangedor no site de responsabilidade da ré, em que pese os inúmeros pedidos de retirada e de denúncia, demonstra a verossimilhança de suas alegações.

A decisão do juízo a quo foi baseada na impossibilidade da ingerência da ré na disponibilidade de vídeos do site Youtube – ou seja, na impossibilidade da Google retirar o conteúdo exibido no link referido nos autos.

Nestes termos, a decisão recorrida:

Defiro AJG à autora.

Cuida-se de ação indenizatória com pedido de antecipação de tutela, na qual a autora pretende que a ré retire vídeo no site youtube, pois este retrata momento íntimo, afetando-lhe a imagem e à dignidade.

É de notório conhecimento que o site da ré trata-se de uma ferramenta de busca, que apenas, apresenta os resultados das consultas em sua página, sem possuir qualquer ingerência sobre as informações postadas.

Dessa forma, está claro que o Google apenas procura, nos milhares de sites existentes na internet, as informações relacionadas com a palavra-chave que é digitada pelo usuário, apresentando como resposta os endereços da onde as informações encontram-se. Com isso, não há como determinar que a ré exclua o referido vídeo, pois este encontra-se armazenado em outro site.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. PESQUISA NO SITE GOOGLE QUE VINCULA O NOME DO AUTOR A INFORMAÇÕES INDESEJADAS. INCAPACIDADE DO GOOGLE DE ALTERAR INFORMAÇÕES CONSTANTES DA PÁGINA MANTIDA POR TERCEIROS. AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70051850972, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em 05/11/2012)

E , neste sentido, também decidiu a Ministra Nancy Andrighi, no REsp 1.316.921 – RJ ao assim dispor “ (…) O provedor de pesquisa é uma espécie do gênero provedor de conteúdo, pois não inclui, hospeda, organiza ou de qualquer outra forma gerencia as páginas virtuais indicadas nos resultados disponibilizados, se limitando a indicar links onde podem ser encontrados termos ou expressões de busca fornecidos pelo próprio usuário (…) Os provedores de pesquisa realizam suas buscas dentro de um universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel se restringe à identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados.

Dessa forma, ainda que seus mecanismos de busca facilitem o acesso e a consequente divulgação de páginas cujo conteúdo seja potencialmente ilegal, fato é que essas páginas são públicas e compõe a rede mundial de computadores e, por isso, aparecem no resultado dos sites de pesquisa” Os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação do URL da página onde estiver inserido (…) Recurso especial provido”.

Isto posto, INDEFIRO o pedido liminar.

Observa-se, portanto, que não foi o pedido liminar analisado pelo juízoa quo, pois este considerou não ter a agravada meios para a efetivação da medida, não ingressando assim no mérito do pedido, indeferindo a liminar por considerar o demandado somente um site de pesquisa/buscas e não o responsável pelo conteúdo no site Youtube.

Da viabilidade da Google retirar o vídeo objeto da demanda do Youtube

No que diz respeito à possibilidade técnica da Google é de conhecimento notório que este grupo econômico gerencia os conteúdos postados no site Youtube, conforme a lição de Ribeiro Neto3:

o Google, Inc. que, atualmente, detém não apenas o controle do homônimo instrumento de busca na web (web search engine), como também do YouTube, da rede social Orkut e do Blogger, o maior hospedeiro de blogs no mundo.

Desse modo, a agravada – no ambiente em que se encontra –não atua somente como um site de buscas, possuindo a responsabilidade pelo conteúdos de determinadas redes sociais, tendo legitimidade e meios para efetivar a medida postulada pela ora agravante.

Nesse sentido, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE CONTEÚDO. FISCALIZAÇÃO PRÉVIA DO TEOR DAS INFORMAÇÕES POSTADAS NO SITE PELOS USUÁRIOS. DESNECESSIDADE. MENSAGEM DE CONTEÚDO OFENSIVO. DANO MORAL. RISCO INERENTE AO NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA. CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DE CONTEÚDO ILÍCITO. RETIRADA IMEDIATA DO AR. DEVER. DISPONIBILIZAÇÃO DE MEIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DE CADA USUÁRIO. DEVER. REGISTRO DO NÚMERO DE IP. SUFICIÊNCIA. 1. A exploração comercial da internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90. 2. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo mediante remuneração, contido no art. , § 2º, doCDC, deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor. 3. A fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor das informações postadas na web por cada usuário não é atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não examina e filtra os dados e imagens nele inseridos. 4. O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02. 5. Ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, deve o provedor agir de forma enérgica, retirando o material do ar imediatamente, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada. 6. Ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários externem livremente sua opinião, deve o provedor de conteúdo ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o anonimato e atribuindo a cada manifestação uma autoria certa e determinada. Sob a ótica da diligência média que se espera do provedor, deve este adotar as providências que, conforme as circunstâncias específicas de cada caso, estiverem ao seu alcance para a individualização dos usuários do site, sob pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo. 7. A iniciativa do provedor de conteúdo de manter em site que hospeda rede social virtual um canal para denúncias é louvável e condiz com a postura esperada na prestação desse tipo de serviço – de manter meios que possibilitem a identificação de cada usuário (e de eventuais abusos por ele praticado) – mas a mera disponibilização da ferramenta não é suficiente. É crucial que haja a efetiva adoção de providências tendentes a apurar e resolver as reclamações formuladas, mantendo o denunciante informado das medidas tomadas, sob pena de se criar apenas uma falsa sensação de segurança e controle. 8. Recurso especial não provido. (REsp 1308830/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/05/2012, DJe 19/06/2012)

Ainda, a respeito da possibilidade técnica da demandada em cumprir as medidas pleiteadas, o seguinte precedente do Tribunal de Justiça de São Paulo:

DANOS MORAIS – Indenização – Uso indevido de imagem – Veiculação de foto do autor manipulada na página do “YouTube” e sem autorização – Violação ao direito à imagem e à personalidade – Ré provedora de serviços que apenas hospeda material postado pelos usuários – Impossibilidade de monitoramento – Responsabilidade da ré em razão da demora para a remoção do conteúdo não autorizado, embora notificada previamente pelo autor por meio de registro de reclamação – Danos morais caracterizados – Indenização devida – Quantum ora fixado em R$ 10.000,00, por ser mais compatível ao caso concreto, com atualização monetária a partir do arbitramento e juros moratórios a contar do evento – Procedência da ação – Sentença reformada – RECURSO PROVIDO (TJSP – Ap 0001072-27.2011.8.26.0102 – j. 22/10/2013 – rel. Élcio Trujillo)

Ainda, a seguinte jurisprudência desta Egrégia Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. YOUTUBE. VÍDEO COM INFORMAÇÕES INJURIOSAS MANTIDAS MESMO APÓS A “DENÚNCIA DE ABUSO” RELATADA PELA AUTORA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM MANTIDO. CERCEAMENTO DE DEFESA. Ao sanear o feito, o Juízo a quo manifestou-se acerca das provas, consignando a desnecessidade de produção da prova oral, mencionando que decidiria a lide apenas com base nos documentos juntados. E desta decisão, nenhuma das partes recorreu, restando preclusa a questão. Não há, portanto, falar em cerceamento de defesa. INCIDÊNCIA DO CDC. O fato de a ré não cobrar valores diretamente dos usuários de seus serviços disponibilizados gratuitamente na rede mundial de computadores – no caso dos autos, para utilização do YouTube – não a descaracteriza como “fornecedora de serviços”, nos termos do art. , § 2º, do CDC, porquanto é evidente que lucra de forma indireta com o número de veiculações publicitárias que capta. Tal serviço (YouTube, juntamente com Orkut e afins) inclusive foi um dos responsáveis pela supervalorização de sua própria marca, razão pela qual incide no caso o diploma consumerista. Precedente do STJ (REsp. 1.308.830/RS). RESPONSABILIDADE DA RÉ. A responsabilidade da ré decorre do fato de não ter retirado da internet o vídeo postado em “conta falsa” criada por terceiro em nome da autora, de forma célere e ágil, atendendo ao pedido/denúncia feita pela mesma na ferramenta apropriada. Ainda, por ter permitido a reinserção do mesmo vídeo tempos após, ainda que sob outra URL, permitindo, assim, que os dados humilhantes, constrangedores e vexatórios continuassem disponíveis para o público em geral, especialmente para seus contatos e amigos, o que evidentemente prejudicou sua vida de relação. Presentes, pois, os pressupostos da responsabilidade civil. DANOS MORAIS. Os danos morais, nesse caso, são evidentes, in re ipsa, decorrendo do próprio fato, sendo desnecessário maior prova. QUANTUM fixado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) na origem, valor que se mostra razoável para o caso, compatível com precedentes desta Câmara, pelo que vai mantido. Sentença mantida. APELOS DESPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70056330319, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 13/11/2013)

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO CAUTELAR. RECURSO CONTRA DECISÃO QUE DETERMINA A REMOÇÃO DE CONTEÚDO DA INTERNET, VEICULADA ATRAVÉS DO YOUTUBE. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE TÉCNICA. PRESENÇA DE ELEMENTOS NOS AUTOS QUE POSSIBILITAM A VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA. Incapaz, vítima de ofensas através de um vídeo hospedado no site YouTube, mantido pela Google. Perigo de dano evidenciado, no caso, a partir da constatação objetiva do conteúdo existente no vídeo publicado pelo usuário, e que denigre os atributos físicos e psíquicos do incapaz. Verossimilhança do direito alegado que nasce da proteção que o ordenamento jurídico empresta à dignidade da pessoa humana, sobretudo em se tratando de criança e adolescente que demandam, por parte do estado, uma específica e imediata atuação no sentido de preservá-los de situação como a que se apresenta pela exposição do conteúdo alojado no site administrado pela agravante. Alegações trazidas pelo agravante que não apresentam a relevância e o fundamento necessários para a reforma da decisão atacada. Impropriedade da alegação, no caso, do direito ao sigilo de informações àqueles que se utilizarem de sites de acesso público para expor a vida de terceiros, denegrindo sua imagem perante a comunidade local e causar danos à sua integridade psíquica, derruindo sua imagem. Agravo de Instrumento desprovido. Unânime. (Agravo de Instrumento Nº 70040511966, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 30/06/2011)

Do dever de retirada imediata do conteúdo ofensivo à autora

Configurada a viabilidade técnica em razão da regra da experiência, assinala-se que o mérito do presente agravo de instrumento diz respeito a requerimento da parte autora no sentido de que seja retirado do ar vídeo em que a agravante foi filmada durante uma crise de pânico.

Da análise do conteúdo do vídeo fica clara a preocupação dos demais presentes com o estado crítico em que a recorrente se encontrava, de modo que a manutenção do vídeo em questão poderá gerar dano de difícil ou grave reparação e dificultar seu tratamento psiquiátrico.

Conforme leciona Stiglitz4 na internet há um permanente estado de perigo potencial de ocasionar danos, em determinadas situações em que a capacidade de controle sobre a informação é limitada.

Tal situação se reflete no presente caso, pois tem a parte agravante o direito de não ter sua imagem divulgada sem autorização, em espécie por conter registro em situação que lhe é constrangedora.

A premissa que abriga a conclusão acima disposta é a de que os direitos da personalidade são compreendidos como sendo um conjunto de valores próprios do indivíduo5.

Assim, a manutenção da exibição do vídeo no Youtube, ou seja, da situação que expõe de maneira indevida – não articulando de maneira adequada as providencias para evitar a perpetuação da exibição de situação sensível à pessoa humana, configura os requisitos ensejadores da concessão da antecipação de tutela, conforme preceitua o art. 273 do Código de Processo Civil.

Assim, cabível a determinação de retirada do vídeo do youtube, conforme precedente desta Corte:

Decisão monocrática. Agravo de instrumento. Responsabilidade civil. Antecipação de tutela. Preenchidos os requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil é de ser concedida a antecipação de tutela postulada, determinando que a ré retire o vídeo do site youtube. Desnecessidade de informar o URL. Fornecimentos de dados suficientes para realização da medida. Multa diária cominada para caso de descumprimento de ordem judicial. Cabimento. Negado seguimento ao recurso. (Agravo de Instrumento Nº 70055442503, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em 10/07/2013)

RESPONSABILIDADE CIVIL. INTERNET. REDES SOCIAIS. MENSAGEM OFENSIVA. CIÊNCIA PELO PROVEDOR. REMOÇÃO. PRAZO. 1. A velocidade com que as informações circulam no meio virtual torna indispensável que medidas tendentes a coibir a divulgação de conteúdos depreciativos e aviltantes sejam adotadas célere e enfaticamente, de sorte a potencialmente reduzir a disseminação do insulto, minimizando os nefastos efeitos inerentes a dados dessa natureza. 2. Uma vez notificado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, o provedor deve retirar o material do ar no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada. 3. Nesse prazo de 24 horas, não está o provedor obrigado a analisar o teor da denúncia recebida, devendo apenas promover a suspensão preventiva das respectivas páginas, até que tenha tempo hábil para apreciar a veracidade das alegações, de modo a que, confirmando-as, exclua definitivamente o perfil ou, tendo-as por infundadas, restabeleça o seu livre acesso. 4. O diferimento da análise do teor das denúncias não significa que o provedor poderá postergá-la por tempo indeterminado, deixando sem satisfação o usuário cujo perfil venha a ser provisoriamente suspenso. Cabe ao provedor, o mais breve possível, dar uma solução final para o conflito, confirmando a remoção definitiva da página de conteúdo ofensivo ou, ausente indício de ilegalidade, recolocando-a no ar, adotando, nessa última hipótese, as providências legais cabíveis contra os que abusarem da prerrogativa de denunciar. 5. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1323754/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 28/08/2012)

Da multa por descumprimento

A cominação de multa por descumprimento de provimento jurisdicional é possível com base no poder geral de cautela do juiz, e tem como objetivo impor, desde logo, uma penalidade ao infrator e uma compensação em benefício de quem foi estipulada, sem, contudo, fomentar o enriquecimento sem causa da parte beneficiada.

Busca-se, nessa perspectiva, um ponto de equilíbrio, a fim de se evitar o excesso ou a modicidade, atendidos os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Impõe-se, portanto, a fixação do valor da multa cominatória em R$ 200,00 (duzentos reais) por dia de descumprimento, limitado o seu cômputo a 30 (trinta) dias, contados a partir de quando ficar caracterizado o inadimplemento da ordem judicial.

Isto posto, com fulcro no artigo 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, dou provimento ao agravo de instrumento, para determinar à agravada que retire o vídeo objeto da demanda do site Youtube, sob pena de multa diária de R$ 200,00, ao prazo de 30 (trinta) dias, contado a partir de quando (e se) restar configurado o descumprimento do provimento jurisdicional.

Comunique-se e intimem-se.

Porto Alegre, 15 de maio de 2014.

Des. André Luiz Planella Villarinho,

Relator.

1 DE PASSOS, J. J. Calmon. Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. III, 8ª ed., Ed. Forense, RJ, 2000, pp. 22/3.

2 JUNIOR, Nelson Nery e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo CivilComentado e legislação extravagante. Revista dos Tribunais, 13ª edição, 2013, p. 637.

3 RIBEIRO NETO, João Costa. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. Revista de Direito Constitucional e Internacional. abr. 2013. vol. 83. p. 177.

4 STIGLITZ, Gabriel. Responsabilidad civil por daños derivados de la informática. In: TRIGO REPRESAS, Félix (org.). RESPONSABILIDAD CIVIL. DOCTRINAS ESENCIALES. Buenos Aires: La Ley, 2006, t. VI, p. 47-57.

5 BRANT, Cássio Augusto Barros. Os direitos da personalidade na era da informática. Revista de Direito Privado. abr. 2010. vol. 42. p. 9.